Por: Tiago Dias. Fonte: Uol (São Paulo)
Edição: Jorge Luiz da Silva.
Salvador, BA (da redação Itinerante)
João Ricardo, Ney Matogrosso, Moracy do
Val (empresário) e Gerson Conrad
em foto de 1973. Ary Brandi/Divulgação
Entre 1973 e 1974, um dos fenômenos
mais marcantes da música brasileira nascia, estourava nas rádios, agradava dos
intelectuais da contracultura a crianças, e se extinguia em seguida.
O Secos & Molhados deu um
rasante no inconsciente coletivo, sob as trevas de ditadura militar, com brilho
e velocidade próprios. O curso intenso e veloz é recontado, 40 anos depois, na
primeira fotobiografia da banda: "Meteórico Fenômeno", lançado neste
mês pela editora Anadarco.
Imagens: tavernadorock.files.wordpress.com (cenadecinema)
Organizado pelo ex-integrante
Gerson Conrad, e com cara de almanaque de banca de jornal, o livro repassa não
apenas as variáveis artísticas, como também o relacionamento entre Conrad, Ney
Matogrosso e João Ricardo.
O racha entre eles ecoa ainda hoje,
impedindo uma reunião, mesmo com uma tentadora oferta de R$ 5 milhões para um
único show. O livro mesmo sofreu com a briga. As fotos originais da época não
foram usadas no livro conforme o registro da lente do fotógrafo Ary Brando.
Apenas Gerson e Ney aparecem nelas. João Ricardo não autorizou a publicação de
suas imagens e foi retirado em montagens posteriores. Em alguns casos, não
passa de um borrão ou uma sombra.
"O corpo jurídico da editora
entrou em contato com ele. Foi um procedimento padrão", explicou Gerson.
"A resposta do Ney foi
imediata.
Já o João respondeu que não admitia
que os ex-Secos ganhassem uns trocos em cima dele.
Deve estar arrependido. Amargamente
arrependido".
Procurado pela reportagem para
comentar o lançamento do livro e as imagens retalhadas, João Ricardo, que desde
a década de 70 vem usando o nome da banda com formações e canções próprias, não
respondeu a reportagem. Ney, que sempre se embrenhou por caminhos próprios,
"comemora" os 40 anos do Secos lançando mais um disco da consolidada
carreira solo. No entanto, não deixa de comentar. "Acho um absurdo ele [João Ricardo] não
ter liberado, pois a história já está feita, e todos sabem o que
aconteceu".
Foto: oglobo.globo.com
Gerson, no entanto, não engrossa o
coro dos descontentes com a necessidade de autorização prévia para a publicação
de imagens e informações bibliográficas. Pelo contrário. "Evidentemente,
sou totalmente a favor da liberdade de expressão seja qual for a fonte, evento
ou artista. Totalmente a favor. Por outro lado, sou a favor da conduta ética em
termos de procedimento, de se pedir autorização. Existe sempre um caminho
ético", defende.
"Secos
& Molhados".
Eleita
a melhor capa de um disco brasileiro, com as cabeças dos (até então) quatro
integrantes servidas à mesa.
Musicalmente, o disco também descia
muito bem. "O objetivo desse disco era ser (assim como todos naquela
época) um "Sgt. Pepper"s Lonely Heart Club Band". Qualquer um
que fizesse um disco, almejava fazer uma obra prima. Criativa e única. Éramos
influenciados pelo turbilhão musical daqueles anos maravilhosos", conta o fundador
da banda, João Ricardo
fotoexpresso.imusica.com.br/.
O começo do fim
Sem aparecer nas imagens, João tem
sua importância defendida no livro. Foi ele, junto com Conrad, quem moldou a
banda artisticamente. Mesmo que recorde com certo carinho sobre a história do
começo do grupo, quando era vizinho de João, no bairro paulista do Bexiga, ele
é duro ao apontar o motivo do fim da banda: Dinheiro e ego.
A banda estava prestes a alçar voo
internacional, com apresentações programadas no México, Estados Unidos, Japão
(mais precisamente em Hiroshima) e uma participação na Copa do Mundo da
Alemanha. Naquele momento, o jornalista Moracy do Val, que além de empresário
do grupo surge no livro como o grande incentivador do trio, foi impedido de
acompanhar a excursão, em maio de 1974.
"Havia uma procuração para
João Apolinário, pai de João Ricardo, para que ele pudesse gerir a empresa
S.P.P.S. Produções [fundada pelos membros do Secos e Moracy em 1973] enquanto
estivéssemos fora. Essa empresa estava indo muito bem. Íamos ficar em uma turnê
de 9 meses. No dia da nossa ida ao México, o Moracy foi quase preso no
aeroporto. O João usara a procuração para impedir que Moracy viajasse",
conta Conrad.
Foto: 2.bp.blogspot.com/
A razão para que Apolinário --
também poeta e autor dos versos de "Flores Astrais" e
"Amor" -- agisse dessa maneira
estaria ligada à vontade da família em tomar o controle da banda. "Naquela
época fazíamos uma média de oito shows semanais. Muitas vezes no hotel, o Moracy
providenciava documentação em folhas de sulfite de hotel, e não com papeis com
a marca da nossa empresa. Mais quanto mais dinheiro ele justificava, mas
dinheiro eu ganhava. O pai de João usou disso para conseguir impedir-lo".
Era o começo do fim. Gerson conta que Moracy, ofendido, cancelou a turnê. Ney,
João Ricardo e Gerson fizeram apresentações apenas no México e Estados Unidos.
A gravadora pedia que eles voltassem rapidamente ao Brasil.
"Durante 22 dias de viagem no
México. O João fazia ligações secretas para o pai. Eu e o Ney confrontamos ele,
e ele acabou assumindo. Voltamos ao Brasil, mas ao invés de melhorar, piorou
até chegar o momento do fim do grupo".
Foto: dzai.com.br
O segundo disco, que também leva o
nome da banda, chegou às prateleiras em 1974. Gravado sem muita interação entre
os integrantes, o trabalho saiu sem o ritmo e o brilho da estreia.
"Entramos em estúdio praticamente sem se falar. Não foi cumprido um acordo
de divisão das canções. O João acabou entrando com todo o repertório",
explica Conrad. A tesoura da censura picotou muitas letras e Gerson precisou
escrever uma canção em cima da hora. "Delírio" é a única música do
disco não composta por João.
O livro ainda conta que a banda
teve alguns dias de sobrevida para cumprir agenda no programa
"Fantástico". "Após a gravação, a S.P.P.S deu uma coletiva
anunciando o fim da banda."
R$ 5 milhões para a grande volta
O culto em torno da banda aumentou
conforme o passar dos anos, sendo comum ofertas e pedidos para a grande volta.
A última delas é de 2007 e veio da Prefeitura de São Paulo, que chegou a
cogitar desembolsar R$ 5 milhões para que os Secos pudessem, apenas mais uma
vez, cantar canções como "Rosa de Hiroshima" e "Sangue
Latino" e "O Vira".
"O então secretário municipal
de Cultura [na época, Carlos Augusto Calil] pediu para conversar comigo depois
de um show que eu estava fazendo. Eles disseram que tinham acabado de trazer os
Mutantes para o aniversário da cidade e que queriam por que queriam o
Secos", relembra. Nem um troco a mais conseguiu com que os integrantes
deixassem para trás as rusgas. "Ney estaria na Itália na data, mas não
disse necessariamente não. Fui procurar o João após anos sem vê-lo. Ele virou e
me disse: 'me dê um motivo para que eu toque novamente com você'", conta
Conrad, em meio a uma saraivada de críticas ao antigo companheiro de banda.
Secosvio. Foto: img.youtube.com/
Essa história ficou de fora do
livro, mas Conrad conta muitas outras e diz se sentir bem por contar, pela
primeira vez, sua visão da tumultuada trajetória do Secos. "40 anos depois, tive a oportunidade de publicar
um depoimento maduro e conciso", relata. Mesmo sem o grande retorno do
Secos e Molhados, ele explica o seu grande trunfo década depois. "É a visão
de alguém que não conseguiu ser mordido por essa coisa chamada sucesso",
diz.
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