Texto: Mauro
Ferreira
Fonte: G1.Globo.com
Fotos: Mauro Ferreira
Edição: Jorge Luiz da Silva
Serrinha,
BA (da redação Itinerante)
"Estou vendo uma barata! Falo sério...". O alerta de que havia uma barata no palco do Teatro Rival foi dado por Gal Costa. Feito o aviso, o produtor Talmir de Menezes entrou em cena e, juntamente com o guitarrista Guilherme Monteiro, correu atrás da barata, logo morta a pisadas. Momento divertido e inusitado da segunda edição do projeto Por acaso no Rival, apresentado pelo entrevistador José Maurício Machline nas quartas-feiras deste mês de novembro de 2016, a caça à barata até colaborou para que o encontro de Alice Caymmi e Gal Costa fosse um barato total que deliciou o público que lotou o Teatro Rival na noite de ontem, 16 de novembro, para ver e ouvir as duas cantoras falarem e cantarem juntas e a sós. Nessa noite feliz, de confraternização musical, uma barata também pode ser um barato total.
Por acaso no Rival é a versão revista e atualizada, para os tempos da web, do programa de entrevistas apresentado por Machline na TV de 1991 a 2004. Nesta versão, o programa acentua o caráter de talk-show e é feito no Teatro Rival, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), sendo gravado ao vivo para posterior exibição na internet. Na edição que juntou Alice e Gal, a conversa fluiu tão bem quanto os 15 números musicais de tom minimalista, calcados na força das vozes das cantoras, acompanhadas somente pelos respectivos guitarristas.
Os três duetos das cantoras resultaram memoráveis e, de certa forma, até históricos. Afinal, 40 anos depois de lançar um álbum dedicado ao cancioneiro de Dorival Caymmi (1914 – 2008), Gal se encontrou – pela primeira vez – com a neta do compositor baiano, uma das cantoras mais expressivas destes anos 2010. O primeiro dueto, quando Gal entrou em cena ao fim da entrevista de Alice, aconteceu em Modinha para Gabriela (Dorival Caymmi, 1975) e soou como aperitivo para os dois saborosos pratos principais servidos ao fim do talk-show.
O dueto cúmplice e terno de Alice e Gal em Baby (Caetano Veloso, 1968) emocionou o público e a própria Alice, cujas lágrimas rolaram em cena pelo simples fato de estar cantando um sucesso de Gal ao lado de uma das maiores cantoras do mundo de todos os tempos – qualidade superlativa que Gal reiterara, momentos antes, quando solou músicas como Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971) e Vaca profana (Caetano Veloso, 1984), números que sobressaíram no bloco em que, entre boas lembranças do repertório da cantora, Gal discorreu para Machline e a plateia sobre influências musicais, o amor incondicional pelo filho Gabriel e a afinidade com Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994), de quem cantou Dindi (Antonio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira, 1959).
Contudo, o ápice da antológica noite musical foi o arrepiante dueto final de Alice e Gal em Sua estupidez (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969). Ali, naquele momento, a voz grave de Alice ombreou o cristal luminoso de Gal na interpretação daquela canção do Roberto que, desde 1971, está associada tanto ao Rei quanto ao canto de Gal.
Coroada na geração indie por conta do segundo álbum, Rainha dos raios (2014), Alice Caymmi abriu a noite e conquistou o público, que estava no Rival por conta de Gal, com as respostas espirituosas e sinceras que deu para as perguntas feitas por Machline com informalidade, como se ele estivesse batendo um papo com a neta de Dorival. E, já no primeiro número, Alice honrou o sobrenome Caymmi ao cantar a capella Sargaço mar (Dorival Caymmi, 1985), uma das músicas mais densas do cancioneiro do avô, compositor referencial na vida e na obra da baiana Maria da Graça Costa Penna Burgos. "Eu ninava meu filho com as canções de Caymmi quando eu morava na Bahia e ele era pequenininho", revelou Gal ao ser chamada ao palco com Machline para o primeiro encontro com Alice.
Embora as cantoras tivessem se conhecido naquele dia, parecia que ambas estavam em casa. Afinal, a intérprete do disco Gal canta Caymmi (1976) é considerada parte da família do patriarca Dorival. Laços musicais à parte, Gal ocupou o espaço que era dela quando começou a cantar. Lembrou Minha voz, minha vida (Caetano Veloso, 1982), justificou os versos de Força estranha (Caetano Veloso, 1978) e caiu no samba ao improvisar Meu nome é Gal (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969) em diálogo com o toque virtuoso da guitarra de Guilherme Monteiro, também caçador de baratas de noite inesquecível. Os nomes delas, protagonistas dessa noite de barato total, são Gal Costa e Alice Caymmi, cantoras de timbres e estilos distintos, mas irmanadas na mesma família musical. (Cotação: * * * * *)
Eis o roteiro musical seguido na noite de 16 de novembro de 2016 por Alice Caymmi e Gal Costa na segunda edição do talk-show Por acaso no Rival, comandado pelo apresentador e entrevistador José Maurício Machline no palco do Teatro Rival na cidade do Rio de Janeiro (RJ):
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2. Iansã (Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1972) – Alice Caymmi
3. Meu recado (Michael Sullivan e Alice Caymmi, 2014) – Alice Caymmi
4. Meu mundo caiu (Maysa, 1959) – Alice Caymmi
5. Princesa (Márcio André Nepomuceno, 1998) – Alice Caymmi
6. Modinha para Gabriela (Dorival Caymmi, 1975) – Alice Caymmi e Gal Costa
7. Minha voz, minha vida (Caetano Veloso, 1982) – Gal Costa
8. Dindi (Antonio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira, 1959) – Gal Costa
9. Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971) – Gal Costa
10. Meu nome é Gal (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969) – Gal Costa
11. Vaca profana (Caetano Veloso, 1984) – Gal Costa
12. Força estranha (Caetano Veloso, 1978) – Gal Costa
13. Baby (Caetano Veloso, 1968) – Alice Caymmi e Gal Costa
14. Dom de iludir (Caetano Veloso, 1982) – Gal Costa
15. Sua estupidez (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969) – Alice Caymmi e Gal Costa
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